AK

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*Carlos Krauz
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O texto, a seguir, é um resumo do memorial da montagem de meu trabalho denominado AK, elaborado para a exposição 3x4 Construindo a Identidade na Galeria Xico Stockinger da Casa de Cultura Mário Quintana, em 2005[1]. O que me motivou a montar AK foi aquela parede extensa de 18 metros de comprimento e 5 metros de altura à esquerda de quem ingressa na Galeria. Naquela situação e com os materiais dos quais dispunha para compor meu trabalho ela se apresentava, em minha experiência, como uma página ... plena ... Aqui disporemos de três imagens, duas de detalhe e uma vista geral. --


NOTA PRELIMINAR
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Inicialmente se faz necessário esclarecer que o título, AK, é a raiz latina do vocábulo agulha. E, o sentido de agulha aqui adotado é “idéia de coisa aguda”. Também é importante esclarecer que as agulhas foram os dispositivos motivadores iniciais. Ao longo de um ano de estudos e esboços, surgiram os dispositivos que ora vemos associados a ela nesta montagem.
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A PREPARAÇÃO DOS “DISPOSITIVOS”
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O que aqui denomino dispositivos são pequenas peças - boa parte das vezes apresentadas ou pinçadas por canaletas plásticas - e que são constituídas por: lupa, linha traçada a lápis, papel japonês, ímã, iluminação, filtro colorido e a sombra da linha.
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No que se refere a sua apresentação, as canaletas são as do tipo utilizadas em pastas de trabalhos escolares. Essas peças foram cortadas nas medidas de 2 cm e 2,1 cm e adaptadas de modo a “sanduicharem”, quer os espelhos, quer os filtros plásticos coloridos, que se encontram entre finíssimas lâminas de vidro próprias para microscópio. Essas pequenas peças, assim compostas funcionam, para mim, como dispositivos pontuadores, balizando o percurso do olhar ao longo da parede branca.
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--A LUPA
O mesmo tipo de canaleta, pelo seu caráter de pinça, foi utilizado para prender uma pequena lupa, que se encontra no alto da parede e no “extremo” de uma linha traçada a lápis sobre a parede. A lupa é, também, um ponto que vemos a uma certa distância e que amplia uma pequena área da parede revelando pequenos pontos-grumos e algumas “escoriações” da parede.


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A LINHA TRAÇADA A LÁPIS
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No que se refere à linha desenhada sobre a parede ela surgiu de modo a fazer com que as linhas das frestas do piso desta Galeria participassem do trabalho de maneira efetiva. E a maneira de ativar essa participação encontrei traçando uma linha à lápis sobre a parede e partindo do “término” da linha da fresta que caracteriza o encontro entre duas dessas placas brancas de 50X50 cm que compõem o piso. O que intentei, com tal atitude, foi disseminar o trabalho de modo sutil fazendo-o escorregar para baixo dos pés do espectador de modo que, imaginariamente, essa linha conectasse todo esse espaço tão caracterizado pela presença delas, seja nas treliças do teto; seja nos recortes bem marcados das janelas; nos corre-mãos; nas arestas que caracterizam as dobras do espaço, quando ele se “expande” ao nos dirigimos ao fundo desta sala. A medida que essa linha “sobe” a parede, ela desaparece para, logo adiante, surgir novamente. A seguir descreve uma curva para a direita para, logo adiante, tornar-se retilínea novamente. No seu suposto final encontramos mais um dispositivo, que é uma lente pinçada na ponta de uma canaleta de modo que só podemos vê-la à distância e debaixo para cima. Por se tratar de uma lente biconvexa, ela amplia sutilmente a região da parede próxima a ela.


O PAPEL JAPONÊS

Outro dispositivo é o papel japonês associado às agulhas e aos ímãs. O papel japonês encontra-se também pinçado pelas canaletas e foi o último dispositivo colocado. Decidi pelo seu uso depois de muito “namorá-lo” pois a sua superfície finíssima e porosamente diáfana me intrigava. A decisão pelo seu uso surgiu pelo fato de, ao observá-lo de perfil, se assemelhar a uma linha. Em AK o encontro entre a linha, as agulhas e o papel desenhou um tipo de tensor que se cria pelo fato de a agulha atrair os ímãs que se encontram “mordendo” a fina camada do papel japonês. Esse tensor, estirado pelo magnetismo, pela posição que ocupa na parede próxima à extremidade esquerda, parece querer “disparar” a agulha, como se essa fosse um tipo de munição do tensor. Entretanto essa munição mantém, paradoxal e simultaneamente suspenso o “disparo”.




-Papel japonês, agulha, pinças e linha.

OS ÍMÃS
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Estes dispositivos conectam AK como um todo pelo fato de estarem presentes associados a todos os materiais que compõem o trabalho. Eles são, antes de tudo, pontos. Pontos formadores de linhas de força.


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---Ímãs nas pontas das agulhas e linhas.


A ILUMINAÇÃO
Quanto à iluminação esta é aqui apropriada enquanto um dispositivo pois a distribuição dos elementos ao longo da parede não determinam o final da montagem. Estes elementos distribuídos sobre ela serão rearticulados com o estudo da iluminação. E esse é um fator que cada vez ganha maior importância em meus trabalhos pois ela é definidora e criadora de sentido. Não se trata de apenas distribuir a iluminação sobre elementos encontrados em determinado contexto mas de pontuar e fazê-la dialogar com o todo do trabalho ou da exposição.
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OS FILTROS COLORIDOS
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Optei pelo uso das pontuações coloridas, que são esses pequenos quadrângulos “mordidos” pelas canaletas e dispostos perpendicularmente à parede, alguns dias antes da montagem. Diante desta sala totalmente branca percebi que a escolha de uma linha que, por ser tão fina, parecia invisível, precisaria de algumas pontuações que, a uma distância razoável da parede, funcionassem como indícios de que alguma coisa haveria sobre aquela “página em branco” alguns dias antes da montagem. Essas superfícies coloridas me fizeram perceber que, na medida em que elas possuíssem cor seriam as pontuadoras do olhar à medida que ele percorresse esta “página”. Essas pontuações funcionam, para mim, como “nichos de pausa”.
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A SOMBRA DA LINHA
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Relativo à escolha da linha de costura, estava em busca de uma que fosse tão fina a ponto de propiciar ao espectador dar-se conta dela, antes de tudo, pelo indício de sua presença, ou seja: era imprescindível que, antes de vê-la, a projeção de sua sombra possuísse uma fisicalidade através da qual o espectador fosse motivado a procurar a linha propriamente dita. Daí ela, a sombra, ser mais um dispositivo para o trabalho.


Vista geral de AK na Galeria Xico Stockinger em 2005.




Porto Alegre, entre junho de 2005 e novembro de 2009.
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[1] Primeira exposição do Grupo 3X4, formado pelos artistas Nelson Wilbert, Laura Fróes, Helena D'Ávila e Carlos Krauz e que inspirou o grupo a criar o Projeto Visitas, a partir do ano de 2006. http://3x4visita.blogspot.com/


* Carlos Krauz é artista plástico e professor da UDESC. Mestre em Poéticas Visuais pela UFRGS. Estudou escultura com Carlos Fajardo, José Rezende e Gaudêncio Fidélis.


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